Assim como uma bala enterrada no corpo, fazendo mais espesso um dos lados do morto;
assim como uma bala do chumbo mais pesado, no músculo de um homem pesando-o mais de um lado;
qual bala que tivesse um vivo mecanismo, bala que possuísse um coração ativo
igual ao de um relógio submerso em algum corpo, ao de um relógio vivo e também revoltoso,
relógio que tivesse o gume de uma faca e toda a impiedade de lâmina azulada;
assim como uma faca que sem bolso ou bainha se transformasse em parte de vossa anatomia;
qual uma faca íntima ou faca de uso interno, habitando num corpo como o próprio esqueleto
de um homem que o tivesse, e sempre, doloroso de homem que se ferisse contra seus próprios ossos.
A
Seja bala, relógio, ou a lâmina colérica, é contudo uma ausência o que esse homem leva.
Mas o que não está nele está como bala: tem o ferro do chumbo, mesma fibra compacta.
Isso que não está nele é como um relógio pulsando em sua gaiola, sem fadiga, sem ócios.
Isso que não está nele está como a ciosa presença de uma faca, de qualquer faca nova.
Por isso é que o melhor dos símbolos usados é a lâmina cruel (melhor se de Pasmado):
porque nenhum indica essa ausência tão ávida como a imagem da faca que só tivesse lâmina,
nenhum melhor indica aquela ausência sôfrega que a imagem de uma faca reduzido à sua boca;
que a imagem de uma faca entregue inteiramente à fome pelas coisas que nas facas se sente.
(Uma faca só lâmina / ou: serventia das idéias fixas/, 1955)